VALÊNCIA, ESPANHA (FOLHAPRESS) – O sol ilumina o céu de Valência, no sudeste da Espanha, enquanto o inferno continuava na terra. O temporal que arrasou a província na terça-feira (29) e avançou afetando outras regiões da Espanha matou ao menos 205 pessoas, uma cifra que aumenta a cada dia conforme as equipes de emergência descobrem corpos na lama. Dezenas de milhares de afetados buscam limpar suas casas, ruas e igrejas nesses dias, enquanto clamam por água potável.
As chuvas, convertidas em correntes selvagens que arrastaram tudo ao seu redor, foram uma armadilha mortal para os mais velhos, aqueles que mesmo ficando em casa não conseguiram escapar quando se viram com a água literalmente no pescoço.
Na quarta (30), Fernanda Moita observava sua casa no município de Utiel, um dos mais devastados pelo temporal. “Estamos destroçados”, afirma, com o olhar perdido. O rio que atravessa o lugar corre normalmente como um fio d’água, mas aquele dia cresceu mais de três metros e engoliu as casas construídas nas margens.
E assim, com o andar de baixo inundado, morreu Maria, a mãe de Fernanda, uma senhora de 83 anos com muitas dificuldades para caminhar.
“Liguei para a emergência para tirar meus pais daqui, mas me disseram que estavam recebendo muitas ligações. Liguei para todo mundo, mas ninguém apareceu. Ela estava como a água no pescoço, mas a deixaram morrer”, diz Fernanda, que viu como a mãe foi se apagando através de uma espécie de claraboia que conectava os dois andares. “Meu pai tentou fazer boca a boca para salvá-la, mas ela já estava morta.”
Maria não foi a única idosa que morreu em Utiel. Entre as seis vítimas desse município, a maioria eram pessoas entre 80 e 90 anos, segundo uma porta-voz municipal. Também em outras zonas afetadas os mais velhos foram as vítimas mais vulneráveis.
Quatro dias depois da tragédia ainda há centenas de desaparecidos que estão sendo achados dentro dos veículos arrastados pela torrente d’água, nas garagens, nas estradas, nas próprias casas. Alguns ainda vivos, mas conforme passam os dias o medo é que o número de mortos dispare.
“Possivelmente, chegaremos a cem [mortos na cidade] devido às centenas e centenas de carros tombados em todo o município. Toda vez que um cão ou uma pá entra na lama, aparecem corpos”, disse Amparo Fort, prefeita de Chiva.
Com 17 mil habitantes, Chiva exemplifica o caos que se vive esses dias na região. À dor das perdas somam-se dezenas de milhares de pessoas ainda sem água potável, sem comida, sem eletricidade, sem sinal telefônico e, claro, sem internet. Voltaram ao século 19.
Ali, enviar um WhatsApp é um luxo, uma situação que multiplica a angústia porque há famílias inteiras que não conseguem entrar em contato entre si. Por fim, nesta sexta-feira (1º), o Exército foi destacado para reforçar a distribuição de mantimentos à população.
É difícil imaginar uma normalidade na região, nem quando chegará. Ainda há trechos de estradas obstruídos por carros e caminhões tombados.
O cenário não difere do de um filme de zumbis. Na quinta (31), num desses lugares bloqueados por veículos abandonados e destroçados, um homem, em busca do pai, descobriu que ele jazia morto num dos carros, e o silêncio se rompeu com um uivo de dor.
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